segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A juventude é curta

Alguns cabelos começam a pratear mas a maioria mesmo está me abandonando. É a vida comendo pelas beiradas ou seria a morte marcando terreno com seu lápis negro? Quem paulatinamente risca linhas na face e capricha nos pés de galinha? A vida ou a morte? Só sei que me desenharam um bigode chinês e arquearam minhas pálpebras soturnamente. É Cecília Meireles, eu também não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro.
A rigidez dos músculos afundou nas areias movediças do tempo. A flacidez nos aguarda lá no fundo do pântano sem pressa, sem promessas e com sua suavidade e grande umidade propícia para a flacidez se expandir.

Retrato ( Cecília Meireles )

Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
- Em que espelho ficou perdida 
a minha face?

domingo, 20 de setembro de 2015

Samba PV

SAMBA CAMPEÃO GRCES PRESIDENTE VARGAS 2016
Enredo: Miscigenação que veste minh'alma, Relicário de Rara Beleza. Meu Querubim fiel e amado. Salve São Gabriel da Cachoeira
Compositores: Paulo Medeiros, Célio Medeiros, Igor Medeiros, Jhones Pereira, Bosco Colares, Agnaldo do Samba, Fred do Cavaco, André Sete Cordas

POR TRÁS DO VÉU DE SEUS MISTÉRIOS
QUEDAS D'ÁGUA, CALHAS E CORREDEIRAS
ÀS MARGENS DO IMPONENTE RIO NEGRO
DESÁGUAM NA BELA ADORMECIDA E FACEIRA
DESBRAVADA PELOS BRANCOS...
ESCRAVIZARAM E CATEQUIZARAM A MALOCA INTEIRA
SIM, A “CABEÇA DO CACHORRO” FOI FORTE
MISCIGENARAM O MEU QUERUBIM, É TERRA NOBRE
BANHADA DE AZUL E AMARELO NA EXPEDIÇÃO DA FOLIA BIS
VEM COM A MIL GRAUS NA CORRENTEZA DA ALEGRIA

EU VOU, EU… EU VOU, EU
EM SUAS ÁGUAS ME BANHAR
AO SOM DA BELA SINFONIA
QUE TRAZES NO SEU CHUÁ CHUÁ

NHEENGATU, BANIWA, TUKANO,
SÃO GABRIEL, UMA BABEL, “EU QUERO TU”
EU VOU E VOLTO NO RAIAR DAS MANHÃS
SEM ESQUECER DOS MEUS XAMÃS,
DAS MINHAS RAÍZES, MEU RITUAL,
NO TEMPLO DOS ARTISTAS VOU DANÇAR O FESTRIBAL
DABUCURI… MEU CARNAVAL
E TODAS… E TODAS AS TRIBOS DE BAMBAS
SAMBANDO NA MESMA ADRENALINA
DE JAÚ AO PICO DA NEBLINA
MATERNIDADE DO SAMBA NA AVENIDA

SALVE SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA
DE PELE MORENA É A NOSSA REALEZA
PRESIDENTE VARGAS VAI TE EXALTAR
MEU RELICÁRIO DE RARA BELEZA

Vestido azul

Ela caprichou no vestido. Era um azul floreado cujo corte conservador representava muito bem o seu estilo setentona. Mamãe, dentro de sua simplicidade, gostava de se vestir bem. Aos setenta anos ainda lhe restava um punhado de vaidade.
Mas o vestido azul não estava combinando com seu sorriso amarelo. Ela estava indo fazer mais uma cirurgia e dessa vez mamãe pintava um medo que, confesso, poucas vezes vi estampado em seu semblante. Dona Nonata era corajosa, não era homem, mas tinha aquilo roxo!
Enquanto a cirurgia acontecia, eu, meu pai e meus irmãos aguardávamos no saguão do hospital envoltos em uma conversa tranquila. Na verdade a tranquilidade estava ali de laranja. A tensão se revelava nos estalar de dedos, nos pés que não paravam de marcar o tempo, no senta e levanta aqui e acolá e no de vez em quando “Tá demorando, né?”
Após algumas longas horas de espera veio a notícia de que a coisa tinha ficado preta. A cirurgia complicou. Mamãe resistiu bravamente aquela noite de trinta e um de Outubro. Dia das Bruxas. Porém foi no desbotar da noite que ela descansou. Mamãe entrou de azul naquele hospital e nós saímos de preto. E nós… ainda não saímos dessa dor. Vira e mexe a saudade dá nas minhas duas. Como hoje logo que vi a foto do vestido azul da minha mãe.
Bença mãe!

Meu irmão

Tinha quatorze anos e um sonho de consumo. Um All Star cano longo. Era o tênis da hora. Todo adolescente de classe média tinha o seu. A minha classe era um pouco abaixo da média, até arrisco a dizer que era paupérrima. A única fonte de renda jorrava de meu pai. Bom, jorrar não é o verbo mais adequado para tal situação. Papai já não cortava mais carne. Foi ser vigia de banco. Ou seja, grana curtíssima pra realizar o sonho do cano longo. Mal dava pra comer. Mal dava pra comer… Então tinha de me conformar com minha conga. Era o que de mais luxuoso tinha pra me calçar. Chegava de conga nos aniversários de quinze anos .
Porém, meu pai, como bom vigia que era, não dormia no ponto e tratou logo de conseguir um emprego pro meu irmão mais velho lá mesmo no banco. Não foi fácil, como nada era fácil pra gente, mas ele conseguiu. Só tinha um problema; era um trabalho não remunerado. Conferente de não sei o quê. E de madrugada.
Meu irmão topou, ou melhor, papai topou por ele. E lembro bem do meu irmão saindo mais cedo do futebol no fim da tarde pra encarar o trampo quase voluntário. Dava uma pena dele. Futebol era nossa diversão mais genuína. Bola dente de leite, pés descalços, duas pedras como traves, e um monte de moleque feliz da vida.
Salvo engano, foram seis meses de ralação até ser contratado. Ele finalmente receberia um salário. Meu irmão nunca tinha visto tanto dinheiro aos dezesseis anos. Quando ele me disse o quanto receberia (um salário mínimo) fiquei ali sonhando com todos os sonhos dele. Imagina, se eu tinha meus sonhos de consumo, que dirá ele.
Então no dia do pagamento ele chegou em casa depois de uma noite em claro conferindo sei lá o quê e disse pra mim e pro meu irmão: “Se arrumem aí que vamos lá no centro comprar o All Star de vocês.” Caramba… Sempre me emociono com esse história… E fomos. Ele ficou feliz com a nossa felicidade. Generoso, muito generoso. O altruísmo em pessoa.
Por que escrevi esse texto? Porque amanhã (14/05) é aniversário dele. Foi a forma que encontrei de homenageá-lo uma vez que não poderei abraçá-lo. A distância não permite, mas sinta-se abraçado meu irmão, Irailton. Eu te amo!

























A amizade

Pelas mãos do samba desenvolvemos um enredo sem o limite da sinopse, sem a burocracia dos jargões, sem as cores tradicionais, sem as plumas e paetês e tacitamente sem as máscaras. Nada de confetes e serpentinas. Foram mãos buscando mãos na construção sólida de nossa comissão de frente: O respeito mútuo. Foi ele quem abriu alas pro nosso carnaval e sempre fiel as nossas leis de cada instante.
Espalhadas pelas outras alas estão a generosidade, o companheirismo, a sinceridade, a liberdade de expressão e a disponibilidade, algo raro nos dias atuais. Basta um único acorde e todos logo chegam junto.
Bom, no início, nossas reuniões eram voltadas para o trabalho de lapidar uma letra e transformá-la em um samba num nível razoável de competição. Célio e Belk começaram tudo isso. Aí veio o Fred, o André, A Stephanny, o Diego e o Henrique. O grupo aumentou e aumentou porque a relação de amizade é sincera. Estivemos juntos na derrota e na vitória. Já choramos de alegria e de tristeza.
Bem, Tudo isso liderado despretensiosamente pela batuta do nosso mestre Agnaldo. Um cara de alma grande e coração bom. É ele quem dá o tom, o ritmo, a melodia e a harmonia pro grupo. Parafraseando o André, essa bichona é um showwww.
A despeito de toda uma história de sucesso no carnaval amazonense, dos títulos nas grandes escolas, das belas composições, o cara continuou com os pés fincados no chão e fez da avenida da vida um congestionamento de humildade. Conheço poucos, ou melhor, raríssimos, que desfilam por essa passarela sem se deslumbrar com as personalidades, os camarotes e as áreas VIPs. É difícil passar por ela sem perder o rebolado.
Agnaldo traz no seu carro abre-alas o bom humor, o cara é Mestre-sala nas sacadas rápidas e inteligentes, nosso Porta-bandeira de boas gargalhadas. Daquele tipo que perde o amigo mas não perde a piada. Confesso que nunca o vi triste.
Porém há momentos em que a vida desafina, atravessa, semitona, e aí meu amigo, a corda arrebenta e o cavaco chora. O surdo fica mudo. A alegria empaca na concentração. Os holofotes se apagam, escuridão… Olha o biiiiicho! Mas o desfile ainda não acabou e nem é você quem decide quando acaba, se é que você me entende. O bicho papão não tem sete cabeças como falam por aí. Às vezes se faz necessário entrar no recuo da bateria e esperar tudo passar. Um passo atrás pode significar dois passos a frente. Então olhe bem ao seu redor. Você não está sozinho. Somos poucos, mas somos verdadeiros.
'Bora, levanta daí! pega esse microfone e limpa a garganta. Meu irmão, atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu!

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Foi um Chico que passou em minha vida...

Nosso primeiro contato foi selado com um forte aperto de mãos, daqueles típicos de um cearense cabra macho. Confesso que me intimidei com aquela saudação sisuda que no estalar dos ossos quase ouvi um sonoro “O que tu queres com minha filha?”
Na verdade aquele forte encontro de palmas foi um encontro de almas e não uma intimidação como havia deduzido lá no jurássico ano de 1991. Chico Branco era uma pessoa de alma grande e logo percebi que por baixo daquele cabelo prata existia um coração de ouro.
Ele gostava de prosear e a nossa prosa dominical era sempre muito agradável ainda que ele estivesse em estado de felicidade etílica. A conversa fluía e o cara, isso mesmo! O cara porque ele era “o cara” conversava absurdamente sobre tudo apesar do pouco tempo de estudos formais o que não o impediu de diplomar os setes filhos. A sabedoria estava impregnada em sua pele.
Os anos foram se passando e os filhos foram se casando. Vieram então os filhos dos filhos. Por que usei a palavra filhos e não netos? Porque seu Chico tratava todos como verdadeiros filhos. Essa era outra grande qualidade dele, olhar para o próximo sem distinção de cor, credo e conta bancária, o que me causava até uma certa inveja branca. Porém com o meu filho havia uma relação muito além de avô e neto. Uma relação admirável. Então meus amigos, como diz o ditado popular “quem meu filho beija, minha boca adoça”. Se eu já gostava do velho, passei a admirá-lo ainda mais.
Recebi a notícia do seu falecimento no trânsito. Meu filho estava do meu lado e com a voz embargada sussurrei pra ele: Júnior, ele acabou de falecer. Afaguei sua cabeça e continuei: Perdeu o teu avô. Ele num choro represado falou: Perdi um amigo. Foi muito duro ouvir isso. E o coração ficou ainda mais dilacerado ao ouvir da Larissa, aos prantos, minha filha de nove anos, a seguinte frase: Não é fácil perder um avô. E pra mim era a perda de um segundo pai.
Bom, acho que isso que acabei de relatar sintetiza muito bem quem foi seu Chico. Ele pode muito bem agora lá no Reino dos Céus parafrasear o personagem de um filme e bater no peito e cravar: Missão dada, missão cumprida!
Fica aqui registrado no plano terrestre o seu legado de honestidade, generosidade, companheirismo, e solidariedade. Dizem por aí que enquanto a pessoa permanece viva em nossos corações ela não morre. Sendo assim, ele continuará perenemente vivo em nossas vidas. Foi um Chico que passou em minha vida...



































Para meus alunos do terceiro ano

Início de ano letivo com traços de uma pseudo neofobia. What the fuck is Neofobia, professor? Explico. Neofobia é o medo do novo. Mas novo? ₢omo assim? Uma vez que já estamos inseridos nesse ambiente escolar há anos.
Pois é, então foi mergulhando nos porões da minha memória que encontrei uma empoeirada apresentação dos professores cuja alegoria para o ano corrente seria: Professor-chave de fenda, aluno-parafuso. Ou seja, filosofia do aperto para, sem trocadilhos, roscas e porcas. O popular: quem for podre que se quebre!
Isso foi o suficiente para alguns dos finalistas com um ar de estrelismo abrirem suas caixas de ferramentas, sacarem suas chaves estrelas e desparafusarem seus: Aqui eu não fico! Fui! Vou-me embora pra Pasárgada!
E alguns foram, mesmo não sendo amigos do rei. Confesso... temi não estar aqui agora lendo esse texto para vocês. Perdemos alunos e professores, porém, não perdemos o sentimento vital para continuarmos encarando os desafios escolares diários: A coragem. É ela que bombeia otimismo e disposição em nossas veias. Sem ela, sequer, levantamos de nossas camas.
No entanto, apesar do discurso subversivo dessa meia dúzia de neofóbicos, a situação foi contornada e o espírito Macunaímico – ai que preguiça! - que assombrava os corredores dessa escola foi exorcizado. Outro dia mesmo relendo Robert Frost, meu poeta americano favorito, eu os encontrei por lá no poema “The road not taken”. A estrada não trilhada. Vocês sabiamente evitaram os atraentes atalhos sugeridos pela Joana a louca de Espanha e toparam corajosamente caminhar por sobre os cacos de vidros temperados… Isso mesmo! Vidros temperados de dificuldades acadêmicas.
Testes, seminários, teatro, dança, canto, produções textuais, pressão, pressão, e o mantra passar no ENEM, passar no ENEM, passar no ENEM ainda ecoa na acústica de nossas esperanças.
Bom, cá estamos. Vocês conseguiram e chegaram aqui, fragmentados é bem verdade, com seus guetos, com suas tribos, com suas idiossincrasias, com suas desavenças, com seus arranhões, calos e fraturas, mas chegaram.
Todavia, observei do alto da minha laje de vidro a pedra que rolava no meio dos seus caminhos. A diferença. É duro lidar com ela especialmente quando o peito ainda tufa de juventude. Essas diferenças precisavam ser britadas urgentemente para vocês poderem dar vasão a sentimentos mais nobres. Liberté, Égalité, Fraternité. Liberdade, igualdade, fraternidade. Exercício de cidadania que transcende cor, credo, sexo, a matéria favorita, o professor favorito, as páginas dos livros didáticos e as picuinhas dos dias que foram se encardindo, mas que ontem eu tive a certeza que tais picuinhas se desbotaram através do alvejante chamado união.
Fermentem dentro de vocês a sede de vencer sem a arraigada necessidade de artifícios ilegais tão popularizada em território nacional pelos homens de terno e gravata. Sabe, a ilegalidade macro um dia foi micro. A cola é um micro artifício ilegal. Vocês são descolados, vocês foram descolados, então deixem essa porra pra lá! Amputem o jeitinho brasileiro e corram para o sucesso com suas próprias pernas. Pensem fora da caixa, façam a diferença. Façam da zona de conforto uma zona! Ontem vocês pensaram fora da caixa, ontem vocês fizeram a diferença.
Sejam felizes, mas para tal, não tenham medo de seus próprios sentimentos.