sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ela pode esperar...

São exatamente três horas da manhã quando a fragilidade do silêncio é quebrada na soturna casa 211 da pacata Santa Quitéria com os gritos histéricos do telefone convencional posicionado na estante de mogno da sala de estar. Toques sucessivos com ar de urgência e um hediondo aroma de tragédia, toques daqueles de dizimar até a paciência de Jó.
Seu Isaac acorda aturdido e balbucia algumas palavras incompreensíveis como quem tem um bob de cabelo enrolado na língua e levanta-se muito amuado da rede de punhos puídos. Sempre que tomava seus pileques abria mão de dormir na cama de casal. Era embalado na rede que ele curava suas dores de cabeça ainda que com carapanãs lixando seus ouvidos.
Isaac era do tipo que não gostava de atender nem os telefonemas dos próprios filhos, que dirá um trote de algum desalmado com insônia na taciturna noite de dezoito de outubro - dia comemorado como marco da resistência à morte inevitável. Os filhos há algum tempo já nem telefonavam mais pro velho, pois, as chances de ouvirem poucas e boas eram de proporções homéricas. Paulatinamente Isaac levantara muralhas em sua volta e cavara um fosso levando essa animosidade ao aparato tecnológico a osteoporose de seus relacionamentos familiares. Mas num súbito momento de sobriedade lembrou-se do filho caçula recém integrado à polícia federal e que estava em missão na perigosa cidade de Tabatinga.
O envelhecimento dos tecidos já pesava naquela carcaça óssea de setenta e três Julhos, com alguns remanescentes cabelos grisalhos e uma ressaca dionisíaca lá foi ele desnudo pelo corredor inóspito rumo ao impaciente aparelho telefônico. Nunca Alexander Graham Bell foi tão xingado por tal invenção.
Alô? Judeu? Só pessoas muito íntimas o chamavam por esse apelido colocado por ele mesmo. Mas nem a voz lasciva e o tom de intimidade do outro lado da linha o derreteram.
Isso é hora de telefonar pra casa dos outros? O que é? Foi logo fazendo jus a fama de tolerante zero. Queria voltar o quanto antes para rede de punhos puídos e hibernar por dias, se possível.
Sabe quem está falando? Não. Respondeu assim, seco e lacônico. Já estive em sua casa uma vez e fui muito bem servida. Lembras? Isaac resolveu dar voz ao seu desconhecido lado Pollyana. Sentou-se no sofá e continuou com a conversa fiada. Me perdoe, mas não lembro não minha princesa. Eu sou a General das Trevas.
Zuleide tem o sono sacudido pelo frio insuportável e ao levantar as pálpebras percebe a porta do quarto entreaberta e não vê seu companheiro à cabeceira. Aquela frente fria castigava a extensão do inferno, como era mais conhecida a cidade de Manaus.
Isaac? Isaac? Sem obter resposta foi o jeito levantar-se. Mas sem o par de óculos não chegaria a lugar algum. Zuleide vai tateando sobre a penteadeira com uma cautela que lhe é peculiar até derrubar o Terço de madeira antes de triscar nos seus olhos de vidro. Dona Zuleide, de dogmas religiosos muito sólidos, não ia para cama sem antes rezar todo o Terço do Rosário.
General das Trevas? Bom, não me venha com metáforas a essa hora da noite. Seja sucinta e direta. Eu sou a morte e vou aí te buscar. Uma rasga-mortalha pia ironicamente sobre o telhado úmido.
Houve um silêncio. Depois uma gargalhada. A conversa já durava um quarto de hora.
Ah, és tu então sua vagabunda. Se por aqui quiseres aparecer de novo, gostaria que tu viesses desprovida de calcinha e sutiã. E quando eu deitar minhas coxas entre as tuas sentirás que o buraco aqui é literalmente mais embaixo.
Zuleide a poucos metros dali com o Terço nas mãos e os olhos pousados naquele homem nu foi se embriagando com aqueles sussurros temperados de promiscuidade que o silêncio permitia-lhe ouvir. Aproximou-se de Isaac, colocou o Terço em volta do seu pescoço, cobriu-lhe o corpo com a mortalha do amor e voltou a dormir na espera da morte que insistia em não desligar.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Televisão


Televisão: Osteoporose dos relacionamentos familiares.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Mulheres que pintam os cabelos

Tenho certeza que com esse texto estarei pisando em campo minado. Serei jogado aos leões, apedrejado, vão me prender na solitária, serei condenado à tortura chinesa, cadeira elétrica, etc. Pois vou tratar de um assunto muito delicado. Mulher que pinta os cabelos.
O que falar de uma mulher que pinta os cabelos? Muitos logo dirão que se trata de vaidade, outros dirão que é uma questão de marketing pessoal, mudar é sempre bom, alguns falarão que é porque homem gosta mesmo é de mulher loura, elas são a preferência nacional.
Então vamos lá, vaidade. É considerada um dos grandes males da humanidade. Matamos por vaidade e morremos pelo mesmo motivo.
A vaidade é cheia de artifícios e se ocupa em tirar da nossa vista e da nossa compreensão o verdadeiro ser das coisas, para lhes substituir um falso e aparente.
Marketing. Por trás de qualquer jogada de marketing há sempre uma informação omitida, as letras miúdas que nós nunca lemos, ou seja, mente-se pra atrair o outro.
Mudar sempre é coisa de gente inconstante. O Raul Seixas adoraria, afinal de contas metamorfose ambulante era com ele mesmo.
Homem gosta mesmo é de mulher loura. Homem gosta de mulher, seja ela ruiva, morena, loura, negra, baixinha, gordinha, magrela, etc. Mas as que pintam os cabelos não são confiáveis, pintar os cabelos é dissimular, é querer ser o que não é.
Isso não quer dizer que não respeite as mulheres adeptas do coloramento, muito pelo contrário, tanto é que não as chamam de louras falsas, jamais, prefiro usar de eufemismo do tipo, aquela mulher é um falso cognato. É mais poético e dependendo do grau de instrução dela você ainda recebe um sonoro obrigado.
Descobri em uma pesquisa feita em dez países que tanto para os homens como para as mulheres o mais importante é ser carinhoso e sensível. Elementos como estes estão à frente de senso de humor, boa aparência e boa remuneração.
Então mulheres brasileiras lindas, vocês não precisam desse recurso, a beleza já está inclusa no pacote de vocês, a pele macia, o corpo desenhado caprichosamente, vocês são sublimes e belas por natureza.
Um beijo carinhoso pra todas vocês, inclusive para aquelas que batizei de falso cognato.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Sinalizar pra quê?

É surreal como o motorista amazonense não faz uso da comunicação não-verbal enquanto dirige. Nem mesmo o Fred Flinstones dirige assim. Essa frieza glacial dos motoristas nas ruas de Manaus pode ser letal tanto para eles mesmos como para os pedestres.
Do que adianta os carros virem equipados com pisca-pisca, pisca-alerta, triângulo, retrovisores, etc, se os motoristas não fazem uso deles. Sinalizar que vai dobrar a esquerda ou direita parece ser um ultraje a moral de tal motorista. Quem vem atrás tem simplesmente que vaticinar pra que lado o cidadão do carro a frente vai dobrar. E se é um taxista ou motorista de ônibus, o seu poder de adivinhação tem que ser igual ou maior que o da própria mãe Diná.
Até sugiro que os próximos carros a serem fabricados venham equipados com bola de cristal LED de última geração.
No trânsito de Manaus quase tudo pode acontecer, só não espere que os motoristas sinalizem, se comuniquem, avisem que destino eles tomarão – aí também já é querer demais, não é?
Agora uma coisa não podemos negar, o motorista amazonense é bom de buzina. Buzinar é com ele mesmo. A buzina tem o poder de abrir sinais, de desengarrafar o trânsito, é como se falássemos “abre-te Césamo”, e tudo se resolve, até o calor alivia depois de uma boa buzinada.
Só agora percebo a conotação sexual que uma buzina tem, pois, os motoristas adoram passar a mão, tocá-la, cutucar com o dedo, até aposto que tem motorista por aí que passa mais a mão na buzina do que na sua própria mulher.
Outra coisa que os motoristas desta cidade são bons é de comunicação verbal, ah, isso não podemos refutar. Discussões, bate-bocas, xingamentos, alguns gostam de chamar os outros de patriota, “Sai da frente filho da pátria!”, outros gostam de demonstrar o seu apreço por café, “anda logo com essa borra!”, e é daí pra pior. Uma fluência que não melhora em nada o andamento do trânsito, muito pelo contrário, só piora.
Então caro motorista, se vai dobrar, sinalize, se o carro ficou no prego, seja qual for sua natureza, comunique-se! Use o pisca - alerta e/ou triângulo. Faça mais uso da linguagem não-verbal. Sinalizar não contrai HIV, não paga multa, não dói e ainda evita acidentes.