quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O último beijo

Passava do meio-dia quando saímos de casa. Ela foi no meu carro. A conversa fluía naturalmente entre mim, papai e ela, mamãe. A cirurgia pela qual ela passaria não estava na pauta, fingíamos que estava tudo bem, mas não estava. Mamãe não estava ali com a gente. Algo a incomodava, não acredito que era a cirurgia em si. Mamãe já havia passado por várias.
Em dez minutos já estávamos no nosso destino, fatídico destino. Santa Júlia, ali no Boulevard Álvaro Maia. A deixei lá e fui estacionar o carro. Na volta ela estava sendo atendida na recepção. Meu pai e meu irmão tratavam da papelada para internação e ela um pouco mais afastada aguardava numa cadeira de rodas. Sua fisionomia era de preocupação. Me aproximei e lembro como se fosse hoje ( um ano depois ) as minhas últimas palavras pra ela. Mãe, tranquilinha que vai dar tudo certo. Então a beijei na testa, o último beijo. Eu, o menos carinhoso, fui o último a beijá-la em vida.
Ela me olhou com a insegurança de uma criança, chorou discretamente e subiu acompanhada do meu pai e meu irmão. Eles não conseguiram se despedir dela por conta de um contratempo. A vida dela foi cheia de contratempo.
A cirurgia complicou. Sete, somente sete horas depois foi que tivemos notícias dela. Os médicos reverteram um quadro complicadíssimo, segundo eles, e mamãe ainda resistiu mais vinte e quatro horas.
O dia seguinte veio para mudar nossas vidas, minha, dos meus irmãos, do meu pai e de todos aqueles que amavam dona Nonata. Estava no trânsito quando meu pai me telefonou e disse: Meu filho, vem pra cá que o pior aconteceu... Essa frase ainda ecoa na minha mente. Não acreditava! Esmurrava o volante do carro enquanto questionava a minha fé. Por quê? Por quê? Por quê?
Cheguei no hospital e vi minha mãe ali dentro de um saco como se fosse um tronco de madeira que não servia mais pra nada. Pesadelo... Pesadelo. Só nós em volta dela sabíamos da grande história de luta, de amor, de simplicidade e dedicação daquela mulher.
Mamãe faleceu no dia primeiro de novembro de 2013. Ontem à noite antes de dormir tudo isso que acabei de escrever veio à minha cabeça, e aí meu amigo, o choro é inevitável. Mas ainda todas as manhãs quando saio de casa para trabalhar eu peço a sua benção.
Bença mãe.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um leão por dia...

A luta para matar um leão por dia nos deixa arranhões e lesões. Hematomas mal cicatrizados pela necessidade de estar de pé para a próxima batalha. Ainda assim, com algumas feridas abertas e outras fraturas expostas, seguimos para o segundo, terceiro, quarto round. Os rounds não param.
O pouco tempo para a recuperação vai nos enfraquecendo, então o inevitável acontece. Mata-leão do avesso. Somos engolidos por ele. Não se vence sempre. Nos falta força, sabedoria, sapiência. Só não pode é faltar fé, uma vez que ela move montanhas. E move mesmo.
Quase entreguei os pontos. Só não o fiz porque a fé não costuma falhar. Mova-se montanha! mova-se! Já ouço o rugido do próximo leão...

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Tantas emoções

Há uma grandeza tão absurda em coisas tão singelas que a emoção inunda dentro de mim. Vou ilustrar essa afirmação. Hoje era a festinha das crianças na escola da minha filha e ela faria uma apresentação com a turma do balé. Ela, vestida de princesa, esperava enfileirada pela sua apresentação quando me aproximei para tirar algumas fotos. Seus olhos me buscavam em meio aquela muvuca de pais babões querendo o melhor ângulo da foto, flashes pra cá, flashes pra lá e eu ali parado bem próximo dela mas ela não me enxergava. Sua expressão era de preocupação e seus lábios se tocavam freneticamente. Especialista em leitura labial fui me emocionando a cada Cadê o papai? Cadê o papai? Cadê o papai?
No momento que nossos olhares se encontraram um salto de alegria caiu em meus braços. Papai!!! Caramba, eu me derreti todo.
A rotina muitas vezes nos faz esquecer quão importantes somos nas vidas de nossos filhos. E esses momentos acontecem exatamente para nos chacoalhar diante do tempo que perdemos nos apegando a coisas supérfluas.
Eu não abro mão de participar desses eventos. Pequenas apresentações, grandes emoções.