sábado, 28 de agosto de 2010

Quantos anos você tem?

- Quantos anos você tem?
- Não sei.
- Como assim?
- Só sei que tenho mais passado do que futuro.
- Ah não, diga-me, quantos anos você tem?
- Tenho os anos que me restam...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Geografia do Amor

Na geografia da conquista
Teimamos em esconder
O mapa da mina
Um vulcão em erupção
Esconde-se atrás
Dos rochedos da desconfiança
A montanha do medo
Faz sombra ao Pico da Neblina
O planeta aquecido
Degela o abstrato concreto amor
Desembocando a quimera
Do encontro das águas
No leito do rio da morte

domingo, 15 de agosto de 2010

...

Enquanto não superamos
A ânsia do amor sem limites
Não podemos crescer
Emocionalmente.

Enquanto não atravessamos
A dor de nossa própria solidão
Continuaremos
A nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes,
É necessário ser um.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Encontro de Fieis

“Ó Santa Luzia, pedi a Jesus, que sempre nos dê, dos olhos a luz...” E os fieis seguem caminhando e entoando um hino atrás do outro. Eles carregam a metáfora da vida nas mãos e cantam a fé em uníssono pelas íngremes e estreitas ruas do Morro do Tucumã. Anunciada pelos tiros dos fogos de artifícios, por onde aquela multidão de gente passa vai arrastando ainda mais seguidores; do mais religioso ao mais agnóstico dos seres. É a fé e o ceticismo de braços dados no dia treze de Dezembro durante a caminhada sacra de Santa Luzia, padroeira do Morro.
E no meio daquele rio de católicos ortodoxos e cidadãos ímpios destaca-se a imagem da Santa carregada por mãos fanáticas de pessoas simples cuja religião é o ópio para uma vida tão sofrida e miserável. Carregar aquela imagem de gesso uma vez por ano é como zerar a quilometragem dos pecados.
O calor naquela tarde de domingo é infernal, porém a via crucis percorre religiosamente, como todos os anos, as principais ruas do bairro. Arriscar-se a caminhar por quase uma hora sob um sol causticante já poderia abater metade dos atos pecaminosos daqueles devotos de Santa Luzia.
Hélio Urubu, proprietário do sindicato do pé inchado, está pagando mais uma promessa. E como tem sido nos últimos anos, ele – em substituição ao pai - é um dos quatro carregadores da Santa.
Ao herdar o bar do pai, cuja morte não poderia ter sido por outra causa a não ser uma cirrose hepática, Hélio Urubu tratou logo de exorcizar a fama de extensão de cemitério que o boteco adquiriu. Muitos alcoólatras saíram direto do balcão do sindicato para o parque... Parque Tarumã, maior cemitério da cidade.
Hélio prometeu ao pai – devoto da Santa - no seu leito de morte que daquele dia em diante dedicaria o dia treze de dezembro àquela popular celebração religiosa.
A procissão já está quase se aproximando do seu destino final, a acanhada igreja de Santa Luzia, onde uma centena de outros devotos a esperam sofregamente. Ao dobrar na rua do sindicato do pé inchado os rojões de foguetes no céu agora são ainda mais intensos, há gritos, bandeiras flamejando, pessoas se abraçando, outras correndo de um lado para o outro, o branco dos fieis se mistura ao vermelho e preto das outras pessoas que se esgoelam feitos loucos no meio da rua e ao fundo um grito estridente de gol que vem da televisão de plasma. Hélio Urubu larga a Santa e se mistura aos outros fieis torcedores do time mais popular daquela cidade. Era o gol do título do time de coração de Hélio. Fé e paixão dividiram naquele dia o mesmo asfalto quente.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ventos de Mudança

Voar em céu de brigadeiro cortando nuvens pacíficas, navegar em mar de almirante rasgando as águas do marasmo, banhar-se em mar de rosas lavando as chagas da alma, redescobrir o mel no lamber das línguas. Metáforas desbotadas que até pouco tempo amanheciam e anoiteciam junto ao meu travesseiro azul celeste com cheiro de Jasmim.
O tempo fechou e o céu seu moço, ficou carregado de nuvens negras, o mar enfurecido não dá trégua, o mel virou fel. Agora caminho de pés descalços no submundo do nadando contra a corrente só pra me exercitar. Essa corrente tem a força de uma pororoca que com o passar dos dias vai ganhando proporções de um tsunami.
O alicerce de minha estrutura emocional estremeceu com os impactos e as avalanches de situações que fugiram as minhas rédeas ao longo desses cinco meses. Não há fortaleza emocional que resista a tanta bordoada. Não sei até onde conseguirei segurar a toalha.
Que os novos dias soprem ventos de mudança na temperatura adequada ao meu corpo. Não será uma mera rajada de metralhadora que me levará ao chão.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ela é uma figura...

Ela não para de me olhar. Aquela mulher me come com os olhos. É melhor deixar as barbas de molho. Está fácil demais. Essa experiência pode me custar os olhos da cara. Vou ficar na minha, a essa altura do campeonato não posso trocar os pés pelas mãos. Às vezes ter o olho maior que a barriga pode causa uma indigestão medonha.
Ela parece querer agarrar a situação com unhas e dentes, aproxima-se, trás consigo risos e alegrias, desce da sua Yamaha com o peito entreaberto na blusa. Não resisto. Qual o seu nome? pergunto. Ela bondianamente responde:
- Meu nome é Nímia. Metonímia.