domingo, 21 de julho de 2013

Muito Obrigado

Se um cachorro lambe minha perna já quero levá-lo para casa. Sou assim, me apego as pessoas na velocidade do Usain Bolt. Essa minha carência crônica faz de mim um sujeito sensível e de fácil acesso. Sim, sou sensível. Choro até assistindo Exterminador do Futuro.
Então há exatos dois meses topei o desafio de ir lecionar em Presidente Figueiredo, 107 km de Manaus, 107 km longe desse urbanismo tão arraigado ao maior orgão do meu corpo. Não, não é o que vocês estão pensando, é da pele que estou falando. E foi justamente lá que senti na pele a brandura de pessoas tão simples quanto eu. Sim, sou simples apesar dos meus três apartamentos na Ponta Negra, casa de praia em Maceió, Ferrari na garagem e dinheiro no banco por mais quatro gerações.
O olhar de desconfiança que fui recebido não durou mais que dois minutos. Bastou eu abrir a boca para conquistar aqueles dezenove alunos. Perceberam minha simplicidade? My name is Fluffy, Paulo Fluffy. Pronto, gelo quebrado, sorrisos arreganhados. E meus amigos, sorriu pra mim, é meio caminho andado para estreitar laços de amizade para a vida toda. Não, não é hipérbole, é eufemismo mesmo.
Ontem foi minha última aula com eles. Fui com o coração na boca e voltei com ele nas mãos. Despedidas doem pra chuchu. Despedida, como diria a Madre Teresa de Calcutá, é foda. Vi uma aluna chorando enquanto os outros clamavam: please, don’t go! Engoli o choro e fui me despedindo de cada um ao som de “You belong with me”, eles ensaiaram e cantaram para mim.
E quando já me encaminhava para o carro uma aluna se aproximou e um tímido “muito obrigado” banhou meu corpo. O muito obrigado daquela aluna ficou ruminando em minha cabeça durante todo o trajeto de volta. Em vinte anos de magistério, essa foi a segunda vez que ouvi um agradecimento tão puro e verdadeiro.
Turma de Presidente Figueiredo, meu muito obrigado.

domingo, 14 de julho de 2013

Retão da BR



Enquanto dirigia a cento e vinte por hora a caminho de Presidente Figueiredo os basculantes do porão dos meus pensamentos abriram-se dando vazão a reflexões ora doces ora amargas. Gostaria evidentemente de ter deixado as amargas na primeira curva mais sinuosa e seguido com as doces no retão da BR.
O porão estava predominantemente sujo de digitais clandestinas e empoeirado de luxúria. Porém entre uma ultrapassagem e outra um filete de luz pousava sobre a prateleira de doces recordações na qual, por sinal, me lambuzava no retão da BR.
Um cochilo de dois segundos e trépido quase capoto os pensamentos. A vida na estrada é muito perigosa, a estrada da vida é prenhe de surpresas. Com espasmos de um medo súbito fechei os basculantes do porão dos meus pensamentos e segui concentrado no retão da BR.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

`Bença` pai

Os braços da saudade me estrangularam assim que desci as escadas e atravessei o corredor. A janela estava aberta, mas ele não estava na cozinha fazendo o café da mamãe. A casa vazia me levou a um vazio continental. O radinho de pilha calado me deixou pilhado. Fui trabalhar sem a benção dele, mais um santo dia sem tomar a benção dele, sem a efígie do homem forte, do homem trabalhador, que acordava cedo e ia à luta sem medo da labuta, sem medo da vida.

Desculpa, não consigo escrever mais nada. Deixa eu ir enxugar as lágrimas agora`Bença` pai.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Nada de Florentinas e Florentinos



´Professor, não queremos mais eles como representantes de classe´. Foi esse o bom dia de protesto da maioria da turma do oitavo ano. Inconformados com o comportamento dos dois alunos escolhidos por eles para representar a turma veio o grito de insatisfação. Aquela sala – na qual sou conselheiro – me pareceu uma miniatura do Brasil. Os representantes da sala foram escolhidos não por serem os melhores a representar os interesses da turma, mas por uma conveniência típica dos eleitores quando vão às urnas. Os mais bagunceiros foram eleitos assim como elegeram o Tiririca. Votando assim nos resta carregar o título de abestado. Como sempre digo, o veneno do voto são nossas conveniências. Impeachment era o grito de ordem hoje cedo!
Portanto meu plano de aula foi para as cucuias! Não poderia perder a chance de conversar com meus alunos entre treze e quatorze anos sobre a importância do voto. Daqui a pouco eles estarão votando e escolhendo os nossos, vereadores, deputados, governadores e presidentes. Chega! Não dá mais para continuar elegendo Florentinas e Florentinos. Nem no oitavo ano do ensino fundamental.