quinta-feira, 31 de março de 2011

NÓS e OS OUTROS ( Por Carmem Guerra)

Por sermos nós nos desatam,
Lançam-nos à terra,
Aos outros,
Mundos incomunicáveis...
Sobreviventes,
A tatear pedras brutas,
Nas arestas do mundo forjamos a vida,
Fazemos morada de quatro paredes
E nelas, penduramos o espelho:
“Espelho, espelho meu”
Que não alberga os outros.
Mas eis que os outros – nossa sina e inferno -
Derrubam as portas,
Invadem a casa,
Convocam-nos pra guerra: ofício diário de conviver
E assim seguimos,
A caminhar num chão de espelhos em pedaços...
Sobre estilhaços que nos ferem
E condenam à irremediável visão: dos outros? De nós?

Por sermos sós nos libertam...

domingo, 27 de março de 2011

nós e os outros

nosotros hibridismo de nós e os outros no ato de um julgamento de uma atitude não condenamos a nós o polvo de nossos mecanismos de defesa condena sempre os outros transferir ferir esses outros desumanos é cinicamente mais fácil julgar a nós nos outros outros e nós híbrido atroz nós e nossos nós nó cego nós cegos no pecado da negação não nos navegamos com o receio da onda quebrar no caudaloso recife de corais de nossa fragilidade mergulhar nos outros o caldo da alma na vida alheia esse espelho sem aço na praia dos outros a areia é quase sempre mais alva para alguns nem doer dói surfar na onda do venha a nós para outros no entanto o vosso reino é um calabouço de angústias lhes deteriorando nos cactos de seus relacionamentos um texto assim mesmo sem maiúsculas ou minúsculas sem pontuação sem respiração caótico confuso tal qual nós tal qual os outros

domingo, 20 de março de 2011

Vida e morte

Numa conversa com a amiga Carmem Guerra tivemos a ideia de escrever sobre qualquer coisa, e o primeiro assunto escolhido foi vida/morte. Trocamos os textos e agora quero compartilhar com todos (2 pessoas) que passam por aqui. O meu vocês já leram.
Prosa poética na veia.

Vai longe o tempo em que vida era uma palavra, nada mais; e morte, o avesso incompreensível da vida: era o terror de ver sandália emborcada ; o pânico de deitar à mesa ao meio-dia; o temor de misturar manga com leite; a sensação aterradora de descobrir um morto vivo na solidão do quarto escuro... Ah, tudo tão simples no quintal da infância...
Mas eis que já não vamos à Espanha buscar nossos chapéus... desfez-se a roda, afrouxaram-se as mãos, e pálidos de espanto nos distanciamos para a execução do dangerosíssimo salto... até nos descobrirmos sem ar, imersos no real significado de tudo o que tivemos naquele ontem, onde era tão fácil encher os pulmões.
Nas profundezas, vida e morte são agora bem mais que duas palavras ou uma antítese, já conhecemos seus múltiplos sentidos e podemos contemplá-las em trajes íntimos. Perdemos a inocência!
Mas estará sempre a doer o nosso quintal da infância... porque eram doces os frutos daquela inconsciência... Vida e morte lá, brincando juntas... velório e festa... apenas duas palavras bailando na superfície de tudo o que um dia fomos.

segunda-feira, 14 de março de 2011

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Para celebrar o dia da poesia

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mario Quintana - A Cor do Invisível

PS: Não esqueça do Japão em sua oração!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Vida – corredor da morte

No corredor da morte chamado vida os cadafalsos pavimentam nossos caminhos de uma extremidade a outra sem pouparem nem mesmo aqueles que construíram impérios materiais indeléveis. O silêncio abraçará o surdo, o mudo, o cego.
Temos a opção de caminharmos rumo à cascata da finitude com pés calcados de humildade e amor com a certeza de que com o cerrar das pálpebras e o encontro das mãos sobre o peito o lugar-comum missão cumprida confortará aqueles poucos que segurarão nossas mãos até o último suspiro.
Distribuir flores no breu quente de uma rotina espinhosa é fácil aqui nessa folha de papel no conforto do meu quarto climatizado. Quantas vezes já me deparei com a oportunidade de perdoar e não o fiz. Perdoar é um exercício que exige alma grande.
Puxar a descarga do rancor não nos diminui em nada, o máximo que pode acontecer é a caixa de gordura ficar entupida, mas quanto mais vezes ela entupir mais milhas ganharemos no plano de milhagens para o paraíso.
A outra opção é caminharmos calçados de orgulho, empáfia e com a sensação de termos um rei na barriga, para então percebermos lá no final do corredor quão estreito ele foi ficando ao longo dos anos.
Acho que meu texto sofreu uma digressão, pois vim aqui escrever sobre a morte, mas fui surpreendido pela vida. Hoje acordei pensando nessa safada.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Angélica

Escrevo para todos, meu caro amigo...

noite de volta ao samba meu amor ficou num copo vazio. Lágrima de um choro bandido no subúrbio de outros sonhos. Tanto amar... Tanto mar... E depois ouvir um sonoro você não sabe amar.Vai trabalhar vagabundo. De fato, qual foi a filosofia desse meu amor barato? Paulo, cálice. OK, me deixe mudo. Caminho observando as vitrines sem compromisso, sinal fechado, espectros se formam e ouço a voz da impertinente razão: acorda amor. Angélica, pedaço de mim, vou até o fim. Você ainda vai me seguir como o pivete que seguia as mulheres de Atenas. E quando nossos olhos nos olhos se encontrarem reluzirá o romance de futuros amantes. Darei uma feijoada completa, farei uma ode aos ratos, trocando em miúdos, será a minha reconstrução.
Ao Chico com carinho!