terça-feira, 26 de novembro de 2013

Só na cabecinha

Mentira tem passos calculados. É gelo sob um calor de quarenta graus. Derrete e vira lama, sujeira. mentira tem pernas curtas, cambotas e cheia de varizes. Mentira tem mau hálito, fede, incomoda. Mentira é novela mexicana. Escrota e insuportável. Mentira não tem altura e nem largura. Mentira é estrábica e gaga. Mentira é cartão de crédito, tem senha, código de segurança e um dia a conta chega. Mentira é avião sem trem de pouso, é aeroporto clandestino da má intenção. Em suma, mentira está na cabeça, só na cabecinha.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

"Bença" mãe

Enquanto meu sobrinho despachava suas malas a fome fazia check-in em meu estômago e abria um vazio tal qual o que já estava hospedado em minha alma.
Assim que aquela aeronave recolheu o trem de pouso eu decolei rumo a minha casa. Antes porém, paguei um mico. Não paguei o estacionamento. Cinco reais por vinte minutos. Surreal! Mas deixemos as cifras na caixa-preta e continuemos com o texto.
Saí do aeroporto com o pensamento desafivelado. Ouvia palavras incessantes, no entanto não as conectavas. Incongruências de um coração dilacerado.
Subitamente rasguei meu plano de voo e decidi ir encontrar meus pensamentos. Cemitério Parque tarumã. Escala compulsória toda vez que por ali passar.
Na entrada comprei um maço de velas - minha mãe gostava de velas, uma caixa de fósforos e segui para a sepultura 1492. Aterrizava ali pela segunda vez só essa semana. Logo eu que pouco a visitava. E olha que ela era minha vizinha. Tentativa insana de compensação. Não tem compensação, não tem comparação.
Acendi as velas - serviço de bordo num cemitério - e junto com minha filha rezamos um Pai Nosso e uma Ave Maria, minha mãe gostava de rezar. E no silêncio abissal da quadra 56, fila 39, arguições gritavam dentro de mim.
Decolei do Parque Tarumã morto de fome, mas com a certeza que minha mãe continua muito viva dentro de mim. "Bença" mãe!

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Vidas cruzadas

Estava eu malhando os bíceps de minha paciência na academia bancária quando a Miss Volúpia arreganhou - com pés insinuantes - as portas do desejo. Entrou e se sentou. Ela cruzou as pernas, eu descruzei os braços, cruzou um cheque, cruzei os dedos. Nossos olhos se cruzaram, tremi. Meu telefone vibrou, linha cruzada. Ela se levantou, vibrei. Nos cruzamos, malhei os quadríceps. Vidas cruzadas. Nos casamos, nos juramos, nos separamos. A vida descruzou diante da fugacidade do belo.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Homenagem à minha mãe

Vou começar este texto sendo curto e objetivo. Mãe, a senhora foi uma heroína. E isso não é nenhum exagero ou muito menos uma força de expressão.
Dona Nonata veio muito jovem do interior para ganhar a vida na cidade grande, casou-se e teve cinco filhos, mas o coração – que quase lhe traiu em 2004 – ainda tinha lugar pra mais um, ou melhor, mais uma filha.
O poeta escreveu uma vez que tinha uma pedra no meio do caminho, e no seu mãe, havia pedras, alguns cacos de vidro e muitos espinhos.
Não foi fácil chegar aqui, mamãe passou muitas dificuldades na vida, porém em momento algum fraquejou. Anos oitenta. O país em crise, papai desempregado e ela – junto com o papai, é claro – com poucos recursos financeiros e seis filhos para alimentar.
Deve ter sido muito duro pra ela ter que olhar pra seis crianças e não ter de onde tirar dinheiro para alimentá-los. Quando conseguia uns míseros trocados pra comprar pão, fazia a multiplicação deles. Lembro que a mamãe cortava o pão em fatias bem finas para que pudesse repartir para os seis moleques. Ficava sem comer, seus filhos não.
Também lembro - e essa é uma imagem muito forte pra mim - quando ela acordava de madrugada, fazia o fogo, torcia o pescoço das galinhas e as depenavas uma a uma. E quando os primeiros raios de sol surgiam no horizonte quase todas as galinhas já estavam vendidas. Matava pra não morrer, no entanto se morrer por nós preciso fosse, ah... Não tenho dúvidas de que a ela faria isso. Nossa... Com a dona Nonata não tinha tempo ruim. O seu Joaquim sabia que podia contar com ela pro que desse e viesse.
- Nonata, vai acordar os meninos pra nos ajudar, mandava nosso pai.
- Ah, Joaquim, deixa os meninos dormirem mais um pouco, coitadinho dos bichinhos, respondia ela morrendo de pena da gente.
Aí vieram os problemas de saúde. De tão doce contraiu diabetes, depois os AVCs. Sete, isso mesmo, sete perniciosos e insistentes derrames. Mamãe ficou torta, puxava a perna, contudo nos ensinou a fazer tudo direito e a nunca puxar o tapete de ninguém. Aquela caboquinha do Careiro era sábia. Bom, mas como se isso não bastasse em 2004 foi preciso corajosamente abrir o peito e construir seis pontes, sendo cinco de safena e uma mamária. Uma ponte pra cada filho. Generosa até na doença. Mamãe tinha o coração do tamanho do Amazonas.
Essa cirurgia no coração me deu a exata dimensão do que somos, somos muito semelhantes a uma vela acesa, - já dizia meu pai - basta um simples sopro e pronto, já era. No dia em que eu e papai estávamos diante do médico que faria a tal da cirurgia, e ele nos explicando da gravidade do problema, ouvi as mais duras palavras que um filho pode escutar de alguém. Quando alguém nos chama de FDP, nós até relevamos, mas ouvir um: “Ou ela opera, ou ela tem só mais seis meses de vida.” é duro pra caramba.
Naquele dia caiu a ficha. A vida da mamãe estava por um fio, então pensei cá com os meus botões. Cara, minha mãe pode morrer. Só que a impressão que tinha é que isso nunca aconteceria. Esse procedimento cirúrgico ela tirou de letra.
Mas numa dessas ironias da vida, ou da morte, quem sabe? primeiro de novembro foi o último dia - pelo menos nesse plano terreno - ao lado dela. Ela que sempre foi muito corajosa estava com medo. Eu sempre tão confiante estava receoso. Manaus de um calor infernal chovia forte, eu, talvez o menos carinhoso, fui o último a beijá-la.
E hoje os braços da saudade me estrangularam assim que desci as escadas e atravessei o corredor. A janela estava aberta, mas ela não estava na cozinha esperando pelo seu café da manhã. A casa assustadoramente vazia me levou a um vazio continental. O radinho de pilha calado me deixou pilhado. Fui trabalhar mais um santo dia sem a benção dela que se foi justamente no dia de todos os santos.
Agora não vejo mais a efígie da mulher forte, trabalhadora que durante anos de sua vida acordou cedo e ia à luta sem medo da labuta, sem medo da vida...
Mãe... a senhora deixou seus sonhos para que nós sonhassemos
derramou lágrimas para que nós fossemos felizes
a senhora perdeu noites de sono para que nós dormissemos tranquilo
acreditou em nós apesar de nossos erros
jamais esqueça que levaremos pra sempre um pedaço de seu ser dentro do nosso próprio ser.
Parafraseando a senhora mesmo, nós gostaríamos de ficar só mais um "bocadinho" com a senhora. Saudades eternas... Nós te amamos!
© 2013 MicrosoftTermosPrivacidadeDesenvolvedoresPortuguês (Brasil)
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