domingo, 16 de outubro de 2011

A Danadinha

Daninha Machado. Aos dezessete anos transbordava saúde. Suas curvas eram perfeitas. Rosto angelical, olhos cor de mel, cabelos na altura dos ombros e uma sensualidade que fazia os homens viajarem entre o céu e o inferno.
Filha única de um casal de pipoqueiros, morava no morro do careca – bairro da periferia de Pau Grande. A casa era humilde assim como seus moradores. Havia um quarto, uma cozinha, uma sala e um banheiro.
Na sala havia um sofá marrom rasgado, na cozinha, um fogão de duas bocas que só funcionava uma e no quarto uma cama de casal cujo colchão já estava fundo, pois, lá dormiam três pessoas. Era impossível imaginar que ali naquele casebre morava uma menina-mulher tão linda.
Daninha era ambiciosa e tinha um sonho de se tornar uma juíza de direito a qualquer custo. Ela sabia que para isso precisaria se dedicar aos estudos em tempo integral, pois, no final do ano prestaria vestibular para direito. Pela manhã freqüentava a escola e a tarde estudava mais quatro horas afinco. Não havia fins de semana e nem feriados para descansar, ela estudava sem parar.
Enquanto seus pais iam trabalhar vendendo pipoca na frente do circo, Daninha corria para casa de Neco – seu melhor amigo – para ler os livros de literatura brasileira que seus pais não tinham condição de comprá-los. Neco fazia questão de emprestar seus livros para ela, quando Daninha precisava fazer pesquisas na internet ele sempre oferecia o computador dele.
Daninha nunca havia tido um namorado em toda sua vida, algumas paqueras, mas sua obstinação pela carreira de juíza de direito não a deixava pensar em outra coisa. Neco fez uma ou duas investidas, mas sem sucesso. Neco era de família rica e seus pais não aprovavam sua amizade com a moça pobre, só que Neto não dava a mínima para o preconceito ridículo dos seus pais.
Uma bela noite seu Getúlio – pai de Neco – ouviu uma conversa de Daninha com Neco no escritório de sua casa.
- Poxa, Neco. Não sei se vou conseguir chegar até o final dessa corrida maluca. As coisas lá em casa não andam nada bem. Depois que o circo foi embora, a renda dos meus pais caiu bruscamente. Às vezes não tenho nem o dinheiro da passagem do ônibus.
- Se você quiser posso te emprestar algum dinheiro? De quanto você precisa?
- Não, Neco. Muito obrigado, você já me ajuda muito.
Neco seria capaz de fazer qualquer coisa para ajudar Daninha. Enquanto isso, seu Getúlio esfregava as mãos e um sorriso cretino surgia em seu rosto.
O fim do ano se aproximava, estávamos em meados de Outubro. Daninha chegou atrasada na escola pela primeira vez. Só entrou em sala no segundo tempo e o professor de matemática olhou surpreso para ela.
- Daninha! Essa hora!? O que aconteceu?
- É que eu fiquei estudando até tarde ontem e acabei me atrasando.
Daninha passou a aula toda bocejando. Fato esse que irritava os professores. Se há algo que professor não gosta de ver é aluno bocejando em sala de aula. Esses atrasos se repetiram durante toda aquela semana, ou melhor, durante todo aquele mês.
Primeira semana de Novembro e nada de Daninha aparecer na escola. Uma noite Neco resolveu visitá-la e pela primeira vez ele não a encontrou em casa. Seu Jorge – pai de Daninha – disse a ele que ela tinha ido fazer um trabalho de equipe com algumas colegas.
Estranho. Pensou Neco. Há uma semana ela não aparece na escola, e outra, não há nenhum trabalho de equipe para ser feito.
Passado esses cinco dias Daninha voltou a escola, passava a maior parte do tempo cochilando. Nos intervalos fazia questão de pagar o lanche dos colegas. Neco então decidiu questioná-la o porquê dela não freqüentar mais a casa dele, já fazia algum tempo que não lia os livros que provavelmente constariam na prova do vestibular.
- Como você mudou nesses últimos meses. Não foi mais lá em casa por quê?
- Ando meio ocupada com as tarefas caseiras. Tu sabes né, quando meus pais não estão em casa, tenho que fazer tudo.
- Ah, mas nem por isso devemos esquecer os nossos amigos, né verdade?
Daninha se aproximou e deu um beijo na testa de Neco.
- Não esqueci de você não, meu amor.
Neco ficou boquiaberto com a atitude de Daninha. Ela nunca havia feito isso. Daninha era sempre de uma frieza glacial. Ela realmente é outra pessoa, pensou Neco.
Véspera da prova de química, Neco resolveu dar um pulinho na casa de Daninha e novamente ele não a encontrou em casa. Neco então caminhou rumo a parada de ônibus mais próxima e a alguns metros dali estava Daninha se despedindo de uma amiga e entrando num foxcross preto. Neco ainda acenou para Daninha, mas seu aceno foi em vão.
No dia seguinte Neco evitou fazer comentários, afinal de contas, era dia de prova e os colegas de classe já estavam com os nervos à flor da pele. Daninha foi a primeira a entregar a prova, fato esse que nunca acontecera, ela era sempre a última a sair. Após a prova Daninha foi embora sem falar com ninguém, deixando Neco um tanto quanto triste. A amizade deles já não era mais a mesma.
Neco então decidiu por um fim nisso tudo. Última semana de dezembro, ele sabia que no ano seguinte todo mundo seguiria caminhos diferentes. Queria resolver essa situação a qualquer custo. O que fez Daninha mudar de comportamento? Por volta das onze horas da noite do dia vinte e um de dezembro, aproveitou que seu pai não estava em casa e pegou escondido um dos carros da família e foi até a casa de Daninha. Ao se aproximar da casa de sua amada ele avista o crossfox preto encostado no meio fio com os faróis acessos. Resolve chegar mais perto e não acredita no que vê...
Caralho! JWI 9710. Eu conheço essa placa. Filho da puta, safado. Esbravejou Neco batendo com as duas mãos no volante do carro. Não conseguindo mais conter a razão, ele decidiu sair do carro e correu em direção do crossfox, Neco estava fumaçando pelas ventas.
Neco abre a porta do carro e vê a mulher dos seus sonhos impossibilitada de falar e seu Getúlio com os olhos para o teto. Os dois se assustaram com toda aquela barulheira e seu Getúlio rapidamente pegou uma arma no porta-luvas e foi quando percebeu que não se tratava de um assalto. Por alguns segundos um silêncio ensurdecedor tomou conta dos três.
- Filho, não é nada do que você está pensando, eu....
- O senhor não me deve explicações. Interrompeu-o Neco.
Enquanto isso, Daninha pegou três notas de cinqüenta reais dentro do porta-luvas e saiu sorrateiramente.
Ao chegar em casa Neco contou tudo a sua mãe, sem poupá-la de nenhum detalhe. Dona Amélia escutou tudo passivamente, parecia já saber de tudo. Trinta minutos depois chegou seu Getúlio com a arma em punho e perguntando por Neco. Dona Amélia apontou para a cozinha e seu Getúlio cego de raiva tropeçou no tapete persa da sala de estar e foi quando dona Amélia e Neco aproveitaram para desferir sete facadas. Quatro nas costas, duas no pescoço e uma no braço esquerdo.
Os dois se afastaram de seu Getúlio, dona Amélia ficou aos prantos e Neco olhando para suas mãos ensangüentadas começou a dar gargalhada como um louco desvairado. Seu Getúlio ainda respirou e conseguiu se virar e balbuciar a seguinte frase:
- O testa... testa... testamento... está no nome da... Da... Da...

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