sábado, 26 de novembro de 2011

Anjo no nome, Angélica na cara

O silêncio sepulcral falava mais alto naquele momento. As palavras encharcadas pelo choro engolido perderam o poder do conforto, elas não tinham sentido, nada mais tinha sentido. Tome Doutor, esta tesoura, e... Corte minha singularíssima pessoa. Foi o que refletiu no retrovisor interno quando encontrei os olhos baços de dona Osmarina, minha tia-madrinha.
Eu no volante do carro, minha tia no banco traseiro e um calor infernal, seguíamos com destino a casa de meus pais enquanto pensava na crueldade do destino. O inferno é aqui mesmo, latejava em minha cabeça. Esbocei uma pergunta, mas o que perguntar naquela hora? Quantos anos ela tem, tia?Ou quem sabe, a senhora acredita em Deus?Porém o nó em minha garganta censurou tais perguntas.
Mais uma conferida no espelho retrovisor e agora as lágrimas apostavam corrida até o precipício do queixo. O rosto corado carecia de um afago. Desabei. Impotente e minúsculo diante do choro contido de minha tia-madrinha. Mal conseguia dirigir. A vontade era de parar o carro e ir abraçá-la e dividir o peso da perda.
E os porquês existentes entre o céu e o inferno afivelavam os cintos ali naquele cemitério de esperança em que se tornara meu carro. Por que minha filha? Por que minha família? Por que ela? Logo ela?A filha única, obediente, religiosa, altruísta? A fé diante da banca do ceticismo. Porém, dona Osmarina em momento algum cometeu o pecado da blasfêmia.
Enfim, chegamos à casa de meus pais com a má notícia legendada em nossas faces. Sintetizei com uma palavra que até minutos atrás não fazia parte do vocabulário de minha tia. Metástase. Só nos restava rezar e alimentar nossa fé em doses de morfina.
Prima Ângela morreria cega três semanas depois de um câncer de mama. Aos trinta e um anos de idade ela teve seus sonhos estuprados. O espelho perdeu o aço...
Essa semana me peguei pensando nessa fatalidade.