sexta-feira, 18 de abril de 2014

Carta a minha mãe



Mãe, hoje acordei com a cabeça tão alagada de pueris reminiscências que foi inevitável não armar minha rede com boca de lobo na varanda da minha infância. E no valsar da rede uma brisa saudosista lambeu minha face com memórias das várias Semanas Santas que passei no Careiro da Várzea especialmente na década de oitenta.
Acordar com o canto dos pássaros era uma briga de galo, e a senhora pacientemente acordava de um por um. Eu era sempre o último. Coitadinho do bichinho, deixa ele dormir mais um pouquinho, Joaquim. Assim a senhora exercia a sua autoridade de esposa no diminutivo das palavras.
Já a bordo do Andrade, de propriedade do seu cunhado e compadre, o café quentinho recebia a inusitada visita da bolacha de motor, ah... nada como afogar a bolacha modelo no café garçonete! Esse é um hábito que faço questão de cristalizar.
A culminância dos dias no Careiro era jogar bola no campinho de grama do tio joãozinho e os banhos na beira do Solimões com os primos, mas de acordo com seus dogmas religiosos tal culminância era impensável para a Sexta-feira Santa. Ficava puto, fechava a cara, esperneava, porém, aceitava. Paulatinamente fui entendendo o significado daquele dia.O bom disso é que nem varrer a casa a senhora permitia.
Comer goiaba trepado na goiabeira era tão gostoso quanto o futebol no campinho do tio joão. Como eu gostava de trepar nas goiabeiras. Por favor, que vocês não enxerguem nenhuma conotação sexual nessa oração.
Mãe, até dos mucuins me lembrei hoje. Voltava com o saco até o tucupi de mucuim. Não sei por que cargas d'água eu era um hospedeiro de mão cheia, ou melhor, de saco cheio. Para aqueles que não sabem, mucuim é um inseto encontrado na Amazônia que penetra no saco escrotal, causa vermelhidão e incomoda bastante.
Então mãe, assim tem sido esses meses sem a senhora. Muitas lembranças, um choro aqui, outro acolá, e assim será até o nosso reencontro. Não se esqueça que o pedaço seu que ficou dentro de mim é o que de melhor há em mim. Bença mãe.

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