quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Encontro de Fieis

“Ó Santa Luzia, pedi a Jesus, que sempre nos dê, dos olhos a luz...” E os fieis seguem caminhando e entoando um hino atrás do outro. Eles carregam a metáfora da vida nas mãos e cantam a fé em uníssono pelas íngremes e estreitas ruas do Morro do Tucumã. Anunciada pelos tiros dos fogos de artifícios, por onde aquela multidão de gente passa vai arrastando ainda mais seguidores; do mais religioso ao mais agnóstico dos seres. É a fé e o ceticismo de braços dados no dia treze de Dezembro durante a caminhada sacra de Santa Luzia, padroeira do Morro.
E no meio daquele rio de católicos ortodoxos e cidadãos ímpios destaca-se a imagem da Santa carregada por mãos fanáticas de pessoas simples cuja religião é o ópio para uma vida tão sofrida e miserável. Carregar aquela imagem de gesso uma vez por ano é como zerar a quilometragem dos pecados.
O calor naquela tarde de domingo é infernal, porém a via crucis percorre religiosamente, como todos os anos, as principais ruas do bairro. Arriscar-se a caminhar por quase uma hora sob um sol causticante já poderia abater metade dos atos pecaminosos daqueles devotos de Santa Luzia.
Hélio Urubu, proprietário do sindicato do pé inchado, está pagando mais uma promessa. E como tem sido nos últimos anos, ele – em substituição ao pai - é um dos quatro carregadores da Santa.
Ao herdar o bar do pai, cuja morte não poderia ter sido por outra causa a não ser uma cirrose hepática, Hélio Urubu tratou logo de exorcizar a fama de extensão de cemitério que o boteco adquiriu. Muitos alcoólatras saíram direto do balcão do sindicato para o parque... Parque Tarumã, maior cemitério da cidade.
Hélio prometeu ao pai – devoto da Santa - no seu leito de morte que daquele dia em diante dedicaria o dia treze de dezembro àquela popular celebração religiosa.
A procissão já está quase se aproximando do seu destino final, a acanhada igreja de Santa Luzia, onde uma centena de outros devotos a esperam sofregamente. Ao dobrar na rua do sindicato do pé inchado os rojões de foguetes no céu agora são ainda mais intensos, há gritos, bandeiras flamejando, pessoas se abraçando, outras correndo de um lado para o outro, o branco dos fieis se mistura ao vermelho e preto das outras pessoas que se esgoelam feitos loucos no meio da rua e ao fundo um grito estridente de gol que vem da televisão de plasma. Hélio Urubu larga a Santa e se mistura aos outros fieis torcedores do time mais popular daquela cidade. Era o gol do título do time de coração de Hélio. Fé e paixão dividiram naquele dia o mesmo asfalto quente.

Um comentário:

  1. Pauloquerido, eu que não sou chegada a procissões, tampouco ao clube de regatas do flamengo,
    confesso que fiquei alegremente surpresa com o desfecho do seu texto! Até dei umas risadas no finalzinho, quando por fim entendi o porquê do seu conto ter o título que tem. Você foi brilhante! Também achei que ce foi muito feliz na escolha do nome do herdeiro do bar.

    Parabéns! Andie.

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