sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A gulosa

LOIRA FAMINTA, boca aveludada e bumbum G. Realizo seus desejos completos. Carinhosa e não sou careta. Quer conferir?Fone: 7823-1180. Cada anúncio naquela folha de classificados era como lotes de terra batida de luxúria. Metro quadrado de sussurros e gemidos vendido a preços populares. O prazer da carne nu e cru oferecendo o profano pincelado de sagrado por aquelas gêmeas da Eva. Meus olhos sobrevoavam aquele latifúndio do amor fácil e aquelas palavras maquiadas do pecado da gula incharam minha libido a ponto de tufar tanto dentro do meu saco da tentação que minha vida monogâmica foi tornando-se flácida. Syleuza deslizava de uma extremidade a outra na cama, remexia, gemia e gemia enquanto descansava seus duzentos e oito ossos fraturados de mordidas. Ela hibernava em desejos reprimidos. Pensei em acordá-la para serenar os ânimos e acabar com seus sonhos calientes e os meus indecentes, porém impermeabilizada estava ela. Amarrotei o jornal e o larguei ao lado da cama, desliguei o abajur e deitei meu corpo em labaredas. Queria a luz do dia invadindo a janela do quarto para, enfim, apagar aquele fogo. Insistentemente boca aveludada... Desejos completos... Bumbum G. ... Carinhosa... Latejavam em minha cabeça. Levantei-me e desembrulhei aquele cataclismo de desejos. A transgressão me lambia a pele. Ligo ou não ligo? Era a pergunta que não queria emudecer. Ainda que roído pelas traças do tempo, o respeito, órgão vital em um relacionamento pulsava forte em meu crânio calvo apesar do cárcere privado que se tornara meus mergulhos em límpidos aquários. Na geografia da Syleuza tinha eu migrado de porto seguro para porto velho. Ela é carinhosa e não é careta. Bom, mas por que ela não colocou a idade? E se for uma velha e gorda? Careta? Se for para ir ao inferno, é melhor que seja acompanhado de uma mulher jovem e bonita. Então, como um bom professor de lingüística, fiz uma breve análise do discurso. Careta é uma palavra anacrônica. Essa loira deve ter seus quarenta e cinco anos. Puta velha... Poderia ligar para outra terceirizada, era assim que encararia aquele encontro, no entanto caros leitores, a palavra tem poder e faminta foi a que despertou meu interesse e abriu meu apetite. Syleuza continuava a gemer e a rolar na cama de meus pesadelos. Os ponteiros do relógio na parede refletiam o meu instinto e protagonizavam o meu futuro ali na horizontal um em cima do outro. Vesti-me de coragem e liguei fragmentando a fala. Uma voz lânguida invade meu ouvido. - Olá, boa noite. - Loira... Loira fam... Faminta? - Loira glutona! - Qu... quanto... cu... custa? - Cento e dez reais por uma hora e meia. Pronto. Juntei a sede com a vontade de comer. Detalhes acertados, com a testa beijada deixei Syleuza em meio a devaneios impudicos e desgarrei-me dos braços do espantalho da solidão rumo ao breu daquele encontro às escuras. A tentação arreganhara de vez seus dentes em minha direção. Cheguei a casa 171 na Rua Belo Horizonte ciceroneado pelo medo e através da campainha anunciei minha chegada. A porta abre-se rangendo no silêncio palpitante daquele momento e vejo a dois passos de mim cento e dez quilos de uma loira faminta... Engoli a seco as imagens do meu pensamento e extraí, testemunhado pela lua minguante, as presas afiadas da tentação.

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