terça-feira, 27 de maio de 2014

Meio velho

No meio da calçada tinha a tal da meia-idade. Ela chegou no cabo de uma bengala e foi logo revestindo o corpo de uma película de meios. Fui ficando meio barrigudo, meio careca, meio míope, meio curvado, meio capenga. Até a libido já andou se beneficiando de meios ilícitos para invadir Tróia. Meios que quase me concederam um presente de grego. Bastou meio cálice pro coração inteiro bombear bipolaridade. Acelerava e parava, acelerava e parava.
Descrente do maquiavelismo de que os fins justificam os meios, evitei algumas vezes os riscos da amarelinha, porém, sem sintomas do meia volta volver típico dos corajosos de meia tigela. Segui em frente com a cartilha tácita do fair-play no bolso da ética. Jamais trapaceei ao rolar os dados ou muito menos pulei duas casas no vacilo do adversário.
O fato é que não tenho mais a calçada inteira pela frente, a sirene do eufemismo melhor idade soou bem diante dos meus olhos verdes. Pai? Pai? Seus olhos não são verdes, são castanhos. Ah tá, agora a minha filha de doze anos vai dizer que estou gagá? Pai, não tenho doze anos, tenho sete! Ah, ok! é... eu vim aqui falar de quê mesmo? Hum lembrei, bom, apesar da miopia cortinada de catarata, vejo pau, vejo pedra, vejo o fim do caminho. Mas como diz o filósofo da modernidade, faz parte. Fazer o quê, não é? Dia desses frequentava o pediatra, que por sinal, semana passada prescreveu um tal de geriatra três vezes ao ano. Quer saber, gosto mesmo é do genérico proctologista. Pena que é só uma vez por ano.
Bom, me cabe agora sair do armário da idade e assumir meu quase meio século de experiência dado a efemeridade da vida e crente da fugacidade do meu ser, desço do muro dos cautos e desmarco a coluna do meio para o grande xeque-mate. Pois, daqui pra frente mais meia-boca nada fazer prometo não... não, não estou louco, foi só meu texto que perdeu a coesão, no entanto eu ainda não perdi o tesão! com osteoporose ou artrose, perda de audição ou hipertensão, vou ser feliz pelos meus meios, vou carpedinhar, viajar, aproveitar a meia-luz, a pouca sombra, o pôr do sol, o meio-termo, a lua cheia, o meio-fio, a calçada, o meio-dia, a meia-noite, a meia-idade, a minha idade, as amizades, o Milton no violão, o Harrison no pandeiro, o Janir no tamborim, a Auricênia no checo-checo, a Rosa na cuíca, a Monica no cavaquinho, a Lucimara no repique, e a vida, ah essa levarei na flauta. Enfim, quero aproveitar os anos que me restam com firma reconhecida no cartório de Deus.
Hoje acordei com o olhar 43!







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