terça-feira, 8 de junho de 2010

Meu herói... meu bandido

Já escrevi para os meus filhos, para irmão, para minha mamãe, para amigo, mas faltava ainda escrever pro senhor. Vou escrever esse texto ouvindo a música Pai, sabe por quê? Porque muita coisa que ele canta nessa música aconteceu com a gente.
Ninguém sabe e nem nunca viu, mas todo ano no dia dos pais coloco essa música pra tocar e não consigo conter as lágrimas. Passa sempre um filme, um longa metragem na minha cabeça, em trinta e nove anos muitas coisas boas e ruins aconteceram, então é difícil não chorar.
Lembro que quando era moleque tinha o sonho de ser jogador de futebol – assim como todo moleque daquela idade – e o senhor várias vezes, ouvindo aos meus pedidos, me levou para treinar nos clubes aqui de Manaus. E o senhor acreditava muito naquele baixinho magrelo. Lembro da gente cortando caminho por dentro do cemitério para chegar mais rápido lá no Nacional Clube. O senhor lembra disso? Pois é, cortamos caminho, encurtamos a distância, mas eu fracassei e o meu sonho ficou lá onde cortávamos caminho, mas nem por isso o senhor me criticou.
Na primeira vez que disputei os jogos estudantis – as Olimpíadas dos estudantes – o senhor estava desempregado e com todos os problemas do mundo desabando na sua cabeça, mas não demonstrava, a figura de um homem forte é o que ficou na minha retina e sempre que pôde me acompanhou nos jogos, ah! Como eu achava legal, me achava na obrigação de fazer um gol. Queria marcar o gol e correr para os seus braços, mas a minha frieza glacial não me permitia fazer isso.
Outra lembrança forte que tenho envolve futebol também. Estávamos lá no Estádio da Colina pra assistir a Flamengo e Rio Negro pelo campeonato brasileiro de 86, eu acho. O estádio estava lotado, eu jamais levaria o meu filho num jogo daquele, mas o senhor me levou porque sabia que eu adorava futebol. Nunca tinha visto tanta gente reunida num lugar só, lá no meio da galera o medo foi tomando conta de mim, achava que aquilo ali ia desabar, olhava pro senhor e o homem forte tava ali, implorei pra sair dali, mas o senhor segurou a peteca e me protegeu.
Quando a mamãe esteve à beira da morte, olhava ao redor e todos estavam fragilizados, então olhava para o senhor e lá estava aquele homem forte, parecia que nem era com o ele. Só Deus sabia como ele estava se sentindo naquele momento.
Hoje me pergunto: De onde será que vem tanta inteligência emocional? Sinceramente não sei, ou sei? Na verdade acho que vem de uma infância dura, um caminho rodeado de espinhos e cacos de vidros, poucos recursos financeiros e afeto quase nenhum. Foi descobrir o que era beijo e abraço com a primeira namorada.
Começou a trabalhar muito cedo e teve sua infância roubada, teve que amadurecer e virar o homem da casa, já que o pai, sabe Deus por onde esse andava.
Acredito eu que tudo isso tenha contribuído para torná-lo forte e resoluto ao mesmo passo em que dar vazão aos sentimentos, externar suas angústias e seus medos o inibe ao ponto de passar uma imagem estóica, de quem não tem amor no coração.
Mas nos últimos anos a imagem de herói foi ficando arranhada, nossas diferenças ficaram ainda mais latentes e o menino aqui cresceu e viu coisas que não concorda e o senhor sabe do que estou falando. Minha mãe não merecia e nem merece passar...Enfim, apesar de tudo que tem acontecido nos últimos anos, ainda quero guardar a imagem do herói e não do bandido.

3 comentários:

  1. Paulo, este teu post é para arrancar lágrimas de qualquer ser, ainda mais eu, que já sou emotiva ao extremo.

    Bem, pais antes de tudo são seres humanos, erram, acertam e assim seguem vivendo. Perdi meu pai quando nem tinha 3 anos de idade completos, em um trágico acidente de moto ele se foi. Tudo que tenho dele são fotos e descrições de familiares e amigos de que ele era uma pessoa encantadora, sempre alegre, cheio de sonhos, divertido, com pressa de viver...que amava muito minha jovem e bela mãe e os 2 filhos que ela deu a ele, que formavam um casal lindo e apaixonado...e nada mais que isso. Palavras e imagens, sequer lembro de um toque seu, da sua voz, por mais eu eu tente e tente e tente...

    Que bom que pudeste conviver com o lado herói do seu pai, e quanto ao outro lado, bem...este tem que ser não ignorado, mas pelo menos não exaltado. Deixe viver este herói no seu coração e ame-o até quando lhe for permitido, esta vida é breve demais...

    Beijos,
    Kenia.

    ResponderExcluir
  2. Uau que post lindo e emocionante...beijos!
    She

    ResponderExcluir
  3. Nossa, me lembra tanto Kafka, carta ao pai...
    Parabéns "fessor"

    ResponderExcluir