quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De volta ao inferno

A aurora está rompendo a alvorada sob as águas de março e trazendo consigo o pranto da esperança observada por nuvens densas e negras. As grades enferrujadas, o parco espaço, a imundície daquele lugar e daquelas pessoas, a comida de terceira e o manto da justiça agora são coisas do passado.
Então a raposa vestida de oncinha protegida por um guarda-chuva preto cruza o portão do presídio de segurança máxima como uma gatinha mansa espreitada passo a passo pelo guarda austero da guarita com uma pistola na cintura e um fuzil nas mãos.
Portão aberto, o cansado e velho de guerra carcerário que a acompanha dispara contra ela. Boa viagem Valeska! Ela passa a mão esquerda pelos cabelos maltratados e o ignora.
Familiares do lado de fora, ainda de cara inchada, amigos fieis estalando os dedos do mindinho ao polegar, seu advogado arrogante, imprensa de todas as mídias e curiosos estão ali à porta da desembargador Vidal Pessoa a espera da produtora de moda coadjuvante de uma série de crimes.
A chuva não dá trégua. Castiga. Ela finalmente pisa na calçada da liberdade e um toró de jornalistas a metralha com microfones sua face capituniana. Ela está abatida, só quer o colo da mãe, os amigos e parentes tentam fazer um cordão de isolamento, a celeuma está armada e as perguntas são as mais ácidas possíveis. E o povo com faixas de protesto expectora alguns impropérios.
Valeska não vale nada! Vitupera um cidadão mais exaltado.
Um carro de luxo importado todo preto a espera com o motor ligado a cinqüenta metros dali. Ela parece caminhar num corredor polonês. Vítima ou vilã? Pergunta o repórter. Os cinqüenta metros estão tão longos quanto um dia de fome.
Valeska Silva está ensopada, a natureza insiste em lavar aquela alma encharcada de remorso. Ela enfim entra no automóvel e acomoda-se no banco do carona. Dona Matilde – a mãe – senta-se no banco traseiro e lepidamente afivela seu cinto de segurança. Ela é o próprio lençol de afagos da filha.
- Para aonde vamos? Questiona o motorista desinformado.
Dona Matilde cochicha algo no ouvido do chofer. Valeska não entende o indiscreto segredo e o motora segue no rumo do aeroporto. A viagem foi premeditada, pois a cidade inteira já sabe de sua soltura. Ela corre risco de morte. Mãe e filha dentro do carro como duas estranhas cúmplices de um silêncio inexpugnável do crime.
O silêncio é quebrado pelos gritos dos pneus riscando o asfalto. Só um balão estoura. Valeska faz sua última viagem num voo solo rasante. Confetes de vidros espalham-se pela pista, a mãe aproximasse do cadáver e uma lágrima dissimulada desliza sobre seu rosto pérfido.

2 comentários:

  1. Nossa!!! Que final surpreendente. Arrasou, o texto me prendeu do princípio ao fim.
    Bjux

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  2. Que texto, um encanto cada parágrafo lhe convidando ao outro.

    Obrigada, por ter me encontrado no blog, só assim para achar tb um novo talento. (:

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